terça-feira, 21 de agosto de 2018

Depois do match


Uma vez, uma de minhas tias me disse que todos nós quando crescemos nos tornamos espontaneamente publicitários. Segundo ela, é só entrar em qualquer aplicativo de relacionamento que lá estão as melhores seleções de fotos e uma biografia milimetricamente pensada em favorecer os pontos positivos da pessoa que “se vende”, na busca incessante de encontrar alguém que preencha o seu vazio. Embora o comentário soe parecer uma depreciação ao publicitário - pois tornar-se um é muito mais que saber vender seu peixe -, a minha tia tem uma certa razão. 
  É claro que, há algumas exceções nestas plataformas digitais de relacionamento. Há aqueles que nem se importam em preencher uma linha se quer do seu “quem sou eu”, mas, no geral, há um grande esforço da maioria em parecer absurdamente atraente e interessante. Eu não culpo essas pessoas. Se alguém desse permissão para atirarem a primeira pedra em quem nunca fez isto, eu seria um dos apedrejados.
  Pensando ainda em publicidade, os primeiros encontros após rolar o match não são tão diferentes dos produtos ofertados pelo mercado. Geralmente, a propaganda é mais interessante do que o consumo, o material ali, bruto. Nos encontros, estamos desarmados, expostos a nos enxergarem como somos. Depois de algum tempo, não conseguimos mais manter a postura de produto na prateleira, e, por oras, deixamos transparecer que nossa prateleira na verdade nem é tão firme assim, logo, podemos cair a qualquer instante. Cair nesse joguinho de perfeição que tentamos manter e que sempre falhamos.
  Eu, particularmente, sempre agi diferente nos primeiros encontros. Instintivamente, sempre fui aquele que ia contra qualquer manual de como se comportar. A tal regrinha de ouro de que não podia falar do ex comigo não funcionava. Dizer que estava satisfeito antes de realmente matar a fome, também não era comigo. Eu sempre fazia tudo completamente distorcido de tudo aquilo que diziam ser o certo. 
  Acredito que minha ansiedade tenha uma contribuição direta com tudo isto. Ela me forçava a me apresentar como eu sou, a deixar em evidência todos os demônios internos que me acompanhavam. Sei que pode parecer um tiro no pé, mas isto me assegura de que eu não vá me apegar a alguém que possa ir embora facilmente em algum dia de crise (que todos ser humano tem). Não que estas pessoas sejam obrigadas a abraçar meus fantasmas sem se quer ter algum laço comigo, mas, costumo dizer que pessoas boas são cheias de empatia até pela senhorinha que encontrou no ponto de ônibus e disse de seus problemas com o olhos inchados de lágrimas.
  Quando a gente coloca tudo na balança, essa pessoa empática que descrevi não deve ser - nem de longe - parâmetro pra você avaliar se lhe serve ou não. A verdade é que, quando colocamos nossa cabeça no travesseiro, descobrimos que buscamos aquilo que a gente é, admira ou tenta ser. Encontrar alguém que preencha ao menos uma porção das nossas necessidades pessoais é a grande magia que nos faz acreditar que encontramos a pessoa certa. E, quando isso acontece, não importa quantas linhas a pessoa preencheu em sua biografia. Tê-la ali, inteiramente humana e cheia de falhas é mais bonito do que o cuidado que ela teve ao preencher seu perfil nos aplicativos.
 A graça é exatamente esta: enxergar as pessoas como elas são, assustadoramente humanas.

Matheus Araujo Dias